Thursday, November 24, 2011

Coluna Surf (2009) by Cassio



Surf, por Cassio K. Nakamura.

Quando me deram a missão de escrever sobre surf no Nikkei portal, fiquei contente: poder escrever sobre uma das coisas mais importantes na minha vida será de um prazer inigualável. Fácil, pensei. Ledo engano.
Passado alguns segundos após a conversa com o Akira, ainda em êxtase pelo pedido do artigo e ao mesmo tempo um pouco preocupado de como escreveria sobre tal assunto, passou um filme na cabeça sobre o que surf representou na minha vida até então.
Tentarei descrever um pouco de como foi o filme, ou melhor, dos sentimentos/sensações que relembrei enquanto o filme passava :
Azul como o mar, laranja-róseo-avermelhado como um pôr-do-sol na praia de Pontal, feliz como um dia de churrasco com os melhores amigos, desafiador como um mar de ressaca, quente como um dia de verão, gelado como um banho de cachoeira, inebriante como o cheiro da maresia misturado com a essência doce da parafina de morango, linda como uma sereia iluminada pela lua cheia, forte, perigosa e intensa como uma onda de 10 pés quebrando em uma rasa bancada de coral afiada em algum lugar na Indonésia… Poderia aqui descrever pelo menos mais quinze páginas sobre o que senti nas recordações sobre o surf nesses ínfimos segundos de filme, mas não farei isso agora. Talvez em outra oportunidade.
Assim, momentos depois de sonhar acordado e em seguida refletir sobre o tal “Surf”, cheguei à uma conclusão de que não dá para resumi-lo em uma página, muito menos em duas, três, quinze. Nem em uma vida. Seria injusto, infame. Tanto para mim, mas como também para os outros surfistas e não-surfistas que estão lendo esse artigo. Muitos já tentaram escrever, descrever e poetizar sobre tal assunto. Todavia, a maioria, como os raios luminosos que passam por uma lente convergente, chegam a um mesmo ponto, ou seja, conclusão: surf é “feeling” (sentimento). Indescritível como o amor, ou melhor, como o primeiro beijo no seu primeiro amor.
Indescritível como remar rumo ao “outside” naquele final de tarde quente e mágico, com altas ondas, relembrando as famosas “September sessions” do nosso querido compositor/cantor/famoso Jack Johnson, ou como a inexplicável sensação de estar dentro de um salão azul-esverdeado, envolto por paredes líquidas em movimento, em perfeita harmonia com a natureza, na qual este momento parece ter parado no tempo, passando-se lentamente, semelhante quando você aperta a tecla “slow-motion” no controle remoto. Ou então, impossível de se descrever a sensação de encarar um dia gélido abaixo de zero, para pegar algumas ondas com os seus amigos e ainda sair do mar com hipotermia sorrindo feito uma criança que acaba de ganhar um doce. Indescritível também de como encaramos com um sorriso o preconceito, quando nos dizem que surf é esporte de vagabundo…
Para nós, seres deslizantes das águas salgadas, o primeiro gesto de carinho durante um relacionamento se equivale à primeira onda surfada. Sim, por incrível que pareça o surfista tem uma relação profunda com o mar, de paixão, respeito, amor, ou até ódio. Para alguns, quando esse gesto(surf) agrada, mas não muito, ou não faz muita diferença, o relacionamento é breve, curto, como um romance de verão. Para outros, que se apaixonam perdidamente pelas sedutoras ondas, o comprometimento é duradouro ou até eterno, como a famosa frase: “Até que a morte nos separe...”
A vida é feita de escolhas. Alguns escolhem ter carros, dinheiro, outros assistir TV, ir para a balada ou ainda fulanos de tal que escolheram se estressar para o resto de suas vidas. Mas eu escolhi o Surf. Isso mesmo, ou ele mesmo. Com ele aprendi a viver ainda mais, como apreciar o momento, o lugar, a onda, o amigo, a menina bonita, as rugas e sardas do sol, a pele bronzeada, o sentimento de arriscar e dropar a vida sem medo. Aprendi que não é vergonhoso ser, sentir. Aprendi também a lidar com as inesperadas nuances da vida, como as curvas de nossas almas, com os medos, angústias, alegrias, a paciência, vitórias e decepções. Aprendi a respeitar tanto a natureza quanto o próximo. Re-aprendi a viver.
Filosófico como Sócrates e seus discípulos Platão e Xenofonte, mas também simples como um papo reto com seus familiares. O que me importa definir a palavra “surf”? Nada. Porém, depois de tudo que escrevi acima, redescobri o quão ainda sou apaixonado por esse esporte sagrado dos Deuses e Reis Polinésios. E também de quanto sou grato por todos os momentos em que o surf me proporcionou. Tanto os bons como os ruins. Afinal, aprendemos muito com os momentos difíceis, não?



Aloha e Ombak bagús para todos!

Cassio K. Nakamura – Surfista de alma, corpo e coração, com muito orgulho.

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